Jornal INDÚSTRIA & COMÉRCIO. Curitiba, 3 a 5 jul. 1998, p. B6.
EXPRESSÃO & ARTE
Francisco Souto Neto
Poty e os tesouros mais autênticos
[Subsídios para a biografia de Napoleon Potyguara Lazzarotto, o Poty Lazzarotto]
A totalidade da obra de Poty Lazzarotto tem, de certo modo, a medida da eternidade: presente em tantas paredes públicas de Curitiba, ela está seguidamente ao alcance dos olhos de quem cruza a cidade. E está também na intimidade das melhores leituras que vimos fazendo desde a adolescência, isto é, na ilustração dos livros de Guimarães Rosa, Jorge Amado e outros. Assim, a obra riquíssima de Poty nos acompanhará ao longo das nossas vidas e de miríades de gerações que advirão.
Quando, em São Paulo, eu soube do falecimento de Poty, fiz um retrospecto da minha amizade com o grande artista. Lembrei-me de que passei a conhecê-lo melhor a partir de 1984, ocasião em que foi inaugurada por Christóvam Soares Cavalcante a Galeria de Arte Banestado, hoje Espaço Cultural Banestado.
Cavalcante, presidente de uma das empresas do Conglomerado Financeiro Banestado, confiou a gerência da Galeria Banestado a Vera Munhoz da Rocha Marques que, coadjuvada por Clarissa Lagarrigue, rapidamente transformou a galeria num ponto de encontro de artistas plásticos. Poty, o primeiro a expor naquele local, era um dos frequentadores do espaço. Logo depois, quando eu acumulei o meu antigo cargo de assessor de diretor (depois de presidente) com o de assessor para Assuntos de Cultura do Banestado, meu contato com a galeria tornou-se permanente, e foi então que, através de Vera Marques, comecei realmente a conhecer o homem Poty.
Em agosto de 1990 na Galeria Banestado, tempos felizes: em pé, Alice Varajão, Francisco Souto Neto e Marly Meyer Araújo; sentados, Poty Lazzarotto e Vera Munhoz da Rocha Marques. À direita, pregadas nas portas do armário, duas colunas “Expressão & Arte, do Jornal I&C. Foto Clarissa Lagarrigue.
No princípio, parecia-me que Poty falava muito baixo e era preciso prestar atenção para ouvi-lo. Mas na medida em que conversávamos, eu ia percebendo que o famoso artista-gigante da ilustração era diferente do homem-Poty, este de temperamento dulcíssimo que fui descobrindo aos poucos, ao longo dos anos de convívio. Ao contrário dos que pensavam que ele era simples e até mesmo rude, Poty era sofisticadíssimo no sentido de viajar dezenas de vezes à Europa, conhecer cada esquina das mais exclusivas cidadelas medievais, hospedar-se em hotéis de charme e frequentar os melhores restaurantes. Ele sabia em quais templos ou museus estavam as mais raras obras de arte, e ia aos mais belos concertos e às melhores óperas. Seus amigos no Brasil e no Exterior eram os mais importantes no campo das artes plásticas, da literatura, do teatro, da música… Poty, um cidadão do mundo, era absolutamente universal.
Dono de invejável cultura, falava sobre cinema com impressionante desenvoltura. Ele era um cinéfilo completo. Era um dos poucos com quem eu podia discutir sobre filmes raros, e até aprender. Dentre os diversos desenhos de Poty que adquiri através do tempo, há um datado de 1972 que estava ficando descorado, e o artista se propôs a retocá-lo. Naquela, e em poucas outras ocasiões, vi Poty desenhando: lembro-me de ter ficado impressionado com a delicadeza dos seus dedos finos e bonitos, e com a maneira suave com que ele desenvolvia os traços…
Desenho de Poty Lazzarotto (1972). Coleção Francisco Souto Neto.
Desenho de Poty Lazzarotto (1984). Coleção Francisco Souto Neto.
Desenho feito por Poty Lazzarotto de presente para Francisco Souto Neto em 1990, com dedicatória, na primeira página do livro “Curitiba, de nós”, obra de Poty Lazzarotto e Valêncio Xavier. Quem conduz a carroça com bananas é o próprio Poty. No trem sobre a ponte (que existe na Rua João Negrão, Curitiba), Poty homenageia o Souto Neto, porque este tem fascínio por trens.
A obra de um artista, que é a materialização da sua arte, serve para a História como um documento do seu tempo. Porém o que mais nos vale são as lembranças que temos daqueles que já se foram, e que são só nossas, indissoluvelmente, e que não podem ser vendidas, nem doadas, nem delegadas por herança. As nossas lembranças, memórias, e as saudades que guardamos em nossos próprios espíritos, é que são os nossos mais valiosos e autênticos tesouros.
Ilustração original: Em agosto de 1990 na Galeria Banestado, tempos felizes: em pé, Alice Varajão, Francisco Souto Neto e Marly Meyer Araújo; sentados, Poty Lazzarotto e Vera Munhoz da Rocha Marques.
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OBSERVAÇÃO ACRESCENTADA EM JULHO DE 2013:
Até 1996 minha coluna “Expressão & Arte” ocupava uma página inteira do jornal, abrangendo vários assuntos, como pode ser visto neste exemplo:
Após o falecimento da minha mãe em 1997, sem vontade de escrever, reduzi “Expressão & Arte” a um pequeno espaço num canto de página, contendo um único assunto por vez. Eu me desorganizei e não mantive mais as minhas colunas em arquivo. Para recompor este lapso, neste 2013 realizei pesquisas na Biblioteca Pública do Paraná, e encontrei as minhas colunas nas coleções de jornais encadernados. Fazer cópias xerox seria quase impossível por causa das encadernações, de maneira que optei por fotografar as colunas. Por ser proibido pela Biblioteca o uso de flash nas fotografias, o resultado não fica muito nítido, principalmente nas ilustrações. De qualquer modo, felizmente os meus textos ficaram preservados, e posso agora transcrevê-los para o blog.
Francisco Souto Neto
Curitiba, Julho de 2013
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Pingback: EXPRESSÃO & ARTE por Francisco Souto Neto. Curitiba, 30 mai. 1994, p. F2. | fsoutoneto – EXPRESSÃO & ARTE
Grande artista que foi Poty. Obra fantástica. Gostei demais!!
Querida Mara, obrigado por seu interesse pela matéria. Beijo!
Pingback: FRANCISCO SOUTO NETO no ano de 1998, através de antigos recortes de velhos jornais (e de várias fotografias). | VELHOS JORNAIS, ANTIGOS RECORTES por Francisco Souto Neto